sábado, 1 de dezembro de 2012

Catimbó


Foi numa manhã, bem cedinho, que Clara e as crianças, amigas dela, da Rua Cícero de Farias, foram brincar no beco onde hoje é o Salão São Francisco. O beco era conhecido por beco de dona Raimunda porque, depois da casa dela, não havia construção; era um terreno, e depois do terreno havia o PIS, onde ainda funciona o posto de saúde.

Era o ano 1967. E naquela manhã as crianças da rua, como de costume, saíram para brincar. Depois de um tempo a rua se encheu de risadas, e eram tantas risadas de crianças, que chamaram a atenção dos adultos. A mãe de Clara chegou ao local e logo se assustou: “– Virgem Maria, Clara, solta isso no chão, solta logo! Isso é catimbó, menina! Vai para casa, logo, e lave essas mãos!”.

O fato é que, quando as crianças estavam brincando, repararam que havia espalhadas pelo chão muitas cabeças de caveira, feitas de cera, de cores diferentes, e começaram a jogá-las umas nas outras, quando a mãe de Clara apareceu, curiosa pelo barulho.

Quando dona Marieta falou para Clara jogar fora a caveira que trazia à mão, dizendo que era catimbó, Clara jogou a caveira no chão, foi para casa e lá perguntou à mãe: “– O que é catimbó, mamãe?” Ela lhe respondeu: “– Macumba, coisa-feita para nos fazer o mal! Valha-me Cristo, Nossa Senhora! Será que vai pegar catimbó na minha família, meu Deus? Ó, meu Deus, proteja minha família! Clara, vamos rezar um terço, agora!”

Assim como aconteceu com a mãe de Clara, outras mães correram e mandaram seus filhos irem para casa, e a rua se encheu de lamentos, medos e exclamações do tipo: “Valha-me Deus, Nossa Senhora! Catimbó! Cristo, protegei minha família!”.

Não satisfeita, dona Marieta puxou Clara pelo braço, dizendo: “– Vamos à casa da rezadeira; comadre Teresa vai tirar o mal que entrou em você. Clara, meu Deus, Clara, você não devia ter pegado naquelas caveiras! Aquilo é coisa-feita contra nós, Clara!”

Chegando à casa da rezadeira, dona Teresa escutou de dona Marieta o ocorrido; depois, em silêncio, foi ao quintal e trouxe de lá um bocado de galhos de arruda, sacudiu-o sobre o corpo de Clara, com orações que só ela entendia. Clara ficou imóvel e atenta, querendo descobrir o sentido daquele ritual. Algum tempo depois a rezadeira disse a dona Marieta: “– A senhora tem razão; aquilo foi catimbó contra sua família. Se a senhora não fizer um despacho, muita coisa ruim vai acontecer em sua casa, principalmente contra sua filha, como eu vejo aqui! Pois eu vejo uma pomba-gira rindo da gente, juntamente com um bocado de espíritos sem luz, cruz-credo!

É melhor a senhora fazer um despacho numa encruzilhada!” Dona Marieta, assustada com o diagnóstico, respondeu-lhe: “– Deus me livre e guarde, comadre, eu não vou fazer despacho em encruzilhada, não! Sou católica praticante e não vou arriscar que o povo descubra que estou fazendo macumba! O que o padre vai dizer de mim, se alguém me vir numa encruzilhada?” Dona Teresa respondeu-lhe: “– Comadre, eu faço o serviço em seu lugar, pois estou acostumada; só quero que a senhora me dê dinheiro para que eu compre o material.

Olhe, vou precisar de sete garrafas de cachaça, sete velas brancas, sete vermelhas e sete pretas, sete cigarros, sete charutos, sete garrafas de vinho do melhor e três galinhas pretas; bastam três galinhas pretas. Depois, Com o material na mão, logo na sexta-feira que vem eu irei a uma encruzilhada, à meia-noite em ponto, e farei um despacho daqueles!” Dona Marieta, mesmo assustada, combinou que iria em casa buscar o dinheiro; em seguida despediu-se da rezadeira, pedindo que ninguém jamais descobrisse que ela faria uma macumba, puxou Clara pelo braço e voltou para casa. E quando ela saiu de lá uma fila de mães com seus filhos formou-se em frente à casa da rezadeira.

E dona Teresa deve ter cumprido o trabalho, pois alguns dias depois, numa sexta-feira, meia-noite em ponto, numa rua de encruzilhada perto do cemitério, os moradores da redondeza não puderam dormir sossegados. Foi na manhã do sábado que o povo de Taperoá ficou sabendo do banquete demoníaco: conta-se que à meia-noite da sexta-feira começaram a aparecer espíritos vestidos de preto, roxo, cinza, vermelho, da cabeça aos pés; assim que chegaram, acenderam uma fogueira, ficaram a uma distância dela e depois começaram a acender velas, centenas delas, enfileiradas e num grande círculo. Dentro do grande círculo de velas acesas, aquelas criaturas derramaram cachaça, muita cachaça, acenderam muitos cigarros, centenas deles, e charutos, centenas de charutos; depois, entraram naquele círculo iluminado pelas velas infernais, fizeram algumas rezas demoníacas, em oferecimento ao chefe deles, e correram para a beira da fogueira, já repleta de brasas infernais, começaram a matar galinhas pretas, centenas de galinhas pretas, e colocaram-nas para assar.

A tentação do cheiro de churrasco de galinha era tão grande que os moradores até pensaram em participar do banquete demoníaco, tamanha era a tentação daquele cheiro, mas ficaram apavorados, com medo de que aquelas criaturas do outro mundo pudessem levá-los com elas, depois das guloseimas. Se não bastassem aqueles cheiros de churrasco e cachaça, aquelas velas acesas, os demônios também começaram a bater num bombo, numa zabumba, num triângulo e a tocar sanfona, num forró de arrepiar os cabelos dos mais incrédulos dos moradores daquela infernal rua. E assim foi a noite inteira, até quase amanhecer o dia: churrasco de galinha, forró, muito forró, dança animada, muita dança entre eles, como se entre eles existissem espíritos machos e espíritos fêmeas, muita cachaça, muito vinho, muito cigarro e muito charuto.

A prova de que aquilo tudo aconteceu o povo de Taperoá em peso foi olhar: logo na manhã do sábado naquela rua ainda se podiam sentir os cheiros de churrasco e cachaça, ainda se viam restos de velas, pitos de cigarros e charutos, ainda se viam garrafas vazias de vinho e de cachaça, ossos de galinha, roupas rasgadas, etc. O povo de Taperoá pensou que o fim do mundo estava próximo e correu para a Igreja, para se confessar. E como sempre, naquele dia padre Renato precisou chamar seu amigo padre da cidade de Teixeira, o padre Boleslau, para ajudá-lo a acalmar a multidão.

Alguns dias depois dona Marieta foi à casa da rezadeira e perguntou-lhe: “– Comadre, a senhora fez o despacho?” Dona Teresa respondeu-lhe: “– Comadre, a senhora não soube do alvoroço daquele sábado, não? Pois eu, na sexta-feira logo depois da nossa conversa, fiz o maior despacho de catimbó da história de Taperoá! Claro que eu não esperava que fosse daquele jeito, mas depois que a senhora saiu daqui de casa, naquele dia, muitas mães também vieram me pedir para dar um jeito naquele catimbó que apareceu em sua rua. Como eram muitos despachos para fazer, pedi a ajuda de alguns amigos, e deu no que deu, um grande despacho numa encruzilhada, bem distante da rua, para ninguém perceber nada...

Dona Marieta: “– Mas o povo de Taperoá inteiro ficou sabendo de um banquete do demo...” dona Teresa: “– Pois é, comadre, ninguém jamais vai saber que fui eu e meus amigos que fizemos aquilo tudo, e ainda acabei com a sua futura maldição e a futura maldição daquela rua!” Dona Marieta: “– Que maldição?” Dona Teresa: “– Se aquele grande despacho não tivesse acontecido a pomba-gira e muitos outros espíritos sem luz iam morar para sempre por lá, deixando vocês na miséria, na desavença e num atraso sem fim; agora, aquela rua e até nosso bairro inteiro vai ser calçado, vai ter esgotamento sanitário e até fábricas para que todos tenham seu emprego! E olhe, comadre, ninguém jamais vai saber que todo aquele forró aconteceu por sua causa!”. E dona Marieta saiu da casa de sua comadre cheia de esperança num futuro bom para os seus filhos e os filhos das mães do bairro do Alto, um bairro sempre tão abandonado pelos governantes do município...

(Texto: Eliza Ribeiro - Taperoá - PB - foto: internet)

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